Escravos no século 21. Artigo do Conselheiro Dimas Ramalho do TCE-SP
- Alexandre Ribeiro Carioca

- 30 de set.
- 3 min de leitura
O trabalho análogo à escravidão permanece como uma das mais graves
violações aos direitos humanos no Brasil contemporâneo. Prática que remonta à
lógica colonial, essa forma de exploração afeta anualmente milhares de pessoas,
em setores tão diversos quanto o agronegócio, a construção civil e o trabalho
doméstico. Ainda que exista um sólido arcabouço normativo e institucional a
combatê-la, os relatos recentes –como o resgate de trabalhadores submetidos a
condições degradantes, noticiado em agosto de 2025– demonstram que essa
conduta criminosa continua ativa, exigindo das autoridades resposta firme e
articulada.

Os dados confirmam esse cenário. Segundo o Conselho Nacional de Justiça,
em 2024 foram iniciados 5.276 novos processos sobre tráfico de pessoas e trabalho
escravo, e havia 6.798 casos pendentes ao final do ano –um recorde desde o início
do levantamento em 2020. Desde 1995, mais de 65 mil trabalhadores foram
resgatados de condições análogas à escravidão, número que evidencia tanto a
dimensão do problema quanto a necessidade de ações para enfrentá-lo.
O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de instrumentos robustos para
combater tais violações. A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso III,
proíbe a tortura e o tratamento desumano ou degradante. O artigo 7º assegura
diversos direitos trabalhistas fundamentais, entre eles o salário mínimo, o repouso
semanal remunerado, a jornada de trabalho limitada, a proteção da saúde e da
segurança no trabalho.
Do ponto de vista penal, o artigo 149 do Código Penal, reformulado pela Lei
nº 10.803/2003, tipifica como crime submeter alguém a condições análogas às de
escravo, abrangendo trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes e
servidão por dívida. A pena prevista é de dois a oito anos de reclusão, além de
multa, podendo ser aumentada em metade quando o crime for cometido contra
criança ou adolescente, ou motivado por preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem.
Além disso, mecanismos administrativos como a “Lista Suja do Trabalho Escravo” e as operações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel têm desempenhado papel significativo ao impor restrições financeiras a empregadores infratores e resgatar trabalhadores em áreas remotas.
Um exemplo concreto da importância crescente do tema no cenário institucional é o 2º Encontro Nacional do Fórum Nacional do Poder Judiciário para o Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas ao Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas, promovido pelo CNJ em São Luís, Maranhão, no final de julho. O evento reuniu ministros, juízes, procuradores, servidores públicos, pesquisadores, lideranças de comunidades tradicionais e movimentos sociais para discutir os desafios e estratégias no enfrentamento dessas práticas.
Ao fim do encontro, foi divulgada a Carta de São Luís, que estabelece
diretrizes estratégicas para a atuação judicial e judiciária. Entre as prioridades,
destacam-se protocolos para proteção das vítimas, ações contra o trabalho
doméstico escravo, regulação das cadeias produtivas, combate ao garimpo ilegal,
prevenção da revitimização e promoção do controle de convencionalidade conforme
normas internacionais de direitos humanos.
Esse tipo de mobilização demonstra que o enfrentamento ao trabalho
escravo tem, felizmente, ganhado relevo cada vez maior dentro das instituições, não
apenas como tema esporádico, mas como política permanente e interseccional
–uma conquista que deve ser consolidada e ampliada.
Apesar dos avanços normativos e institucionais, as estatísticas e os
acontecimentos recentes mostram que o trabalho análogo à escravidão resiste
como uma chaga social urgente. Superar esse desafio exige ações coordenadas:
legislação eficaz, fiscalização vigorosa, responsabilização judicial, fortalecimentos
dos comitês regionais, apoio às vítimas e articulação entre os poderes.
O Brasil, como se vê, tem desenvolvido instrumentos cada vez mais
sofisticados para combater as formas de exploração contemporâneas. No entanto, o
sucesso dessa empreitada depende de vigilância permanente, vontade política,
mobilização da sociedade e, acima de tudo, da valorização da dignidade humana
como princípio central de todas as ações do Estado.











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