A Inexistência de Personalidade Jurídica dos Bebês Reborn à Luz do Ordenamento Brasileiro
- Alexandre Ribeiro Carioca
- 30 de mai.
- 4 min de leitura
1. Introdução
O fenômeno dos bebês reborn – bonecos hiper-realistas utilizados tanto para fins terapêuticos quanto para colecionismo – tem despertado atenção inusitada no meio jurídico. Narrativas de "pais" que disputam a guarda de seus reborn ou de "mães" que levam esses bonecos a consultas pediátricas tornaram-se temas recorrentes em redes sociais e reportagens sensacionalistas.

2. Conceito de Personalidade Jurídica
No sistema jurídico brasileiro, a personalidade é atributo que confere a titularidade de direitos e obrigações. O Código Civil de 2002 estabelece, em seu artigo 2º, que "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". Esta redação suscita um importante debate doutrinário sobre o início da personalidade civil, que se divide em três principais correntes:
I. Teoria Natalista: defende que a personalidade jurídica só tem início com o nascimento com vida, sendo o nascituro mera expectativa de direito;
II. Teoria da Personalidade Condicionada: reconhece direitos ao nascituro, mas os condiciona ao nascimento com vida.
III. Teoria Concepcionista: sustenta que a personalidade civil começa desde a concepção, reconhecendo o nascituro como sujeito de direitos.
Embora o caput do artigo 2º do Código Civil pareça adotar a teoria natalista, uma análise sistemática do ordenamento jurídico brasileiro revela uma tendência à adoção da teoria concepcionista. Diversos dispositivos legais corroboram esta interpretação:
A Lei nº 11.804/2008, que disciplina os alimentos gravídicos, reconhece direitos ao nascituro independentemente do nascimento com vida;
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) assegura proteção à vida e à saúde mediante políticas públicas que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio;
O Pacto de São José da Costa Rica, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, protege o direito à vida desde a concepção.
A jurisprudência brasileira tem se inclinado à teoria concepcionista em diversas decisões, reconhecendo direitos da personalidade ao nascituro, como o direito à vida, à integridade física, à honra e à imagem. Este entendimento reforça a impossibilidade de se estender personalidade jurídica a objetos inanimados como os bebês reborn, uma vez que a personalidade é prerrogativa exclusiva de seres humanos (desde a concepção ou nascimento, conforme a corrente adotada) e de determinadas entidades organizacionais (pessoa jurídica de direito público ou privado).
3. Distinção entre Pessoa e Objeto
Ao analisar os bebês reborn, deve-se diferenciar os institutos de pessoa e objeto:
1. Pessoa Natural: indivíduo dotado de consciência e capacidade para praticar atos da vida civil, titular de direitos da personalidade, como integridade física, nome, estado civil, entre outros.
2. Pessoa Jurídica: entidade criada pela legislação e dotada de autonomia patrimonial, destinada a atender interesses públicos ou privados, com capacidade para figurar em processos.
3. Bem Móvel: objeto corpóreo suscetível de apropriação, regido pelo regime de bens previsto no Código Civil (arts. 79 a 103).
Os reborn enquadram-se na terceira categoria, sendo tratados como mercadorias ou peças de coleção. Apesar de sua semelhança com recém-nascidos e do apego sentimental que podem despertar, não há fundamento legal para atribuir-lhes qualquer dimensão de sujeito de direito.
4. Consequências Práticas da Natureza Patrimonial
4.1. Impossibilidade de Pensão Alimentícia e Guarda
Em virtude da inexistência de personalidade jurídica, não é admissível pleitear pensão alimentícia em favor de um reborn, tampouco requerer guarda judicial.
A Pensão Alimentícia, prevista nos arts. 1.694 a 1.710 do Código Civil, é obrigação alimentícia que decorre da reciprocidade de deveres entre ascendentes e descendentes ou cônjuges. Sem personalidade, o reborn não pode figurar como beneficiário dessa obrigação. Por sua vez, a Guarda é instituto próprio do Direito de Família destinado a regular o exercício de responsabilidade parental sobre menores de 18 anos ou incapazes. Inexiste analogia viável para aplicação aos reborns, que carecem de necessidades biológicas ou afetivas juridicamente tuteláveis.
4.2. Proibição de Licença-maternidade/paternidade para Cuidados
O direito à licença-maternidade ou paternidade é concedido para proteção da mulher e do recém-nascido humano, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (art. 392 e segs.) e da Constituição Federal (art. 7º, XVIII).
A extensão dessa garantia a quem cuida de reborns não encontra amparo legal, pois a ratio legis da norma é a proteção da saúde e do vínculo familiar real.
5. Responsabilidade Civil e Patrimonialidade
Apesar de não serem sujeitos de direitos, os reborns possuem elevado valor de mercado, o que os torna objeto de transações, seguros e, em caso de litígio patrimonial, de partilha em processo de inventário. A natureza jurídica desses procedimentos é meramente patrimonial:
Esses bens podem ser avaliados pericialmente quando integrantes do acervo hereditário.
Contratos de compra e venda, empréstimo ou comodato podem envolver cláusulas específicas de garantia e responsabilidade por danos.
Em caso de furto ou extravio, aplicam-se as regras gerais de responsabilidade civil e criminal relativas a bem móvel.
6. Conclusão
À luz do ordenamento jurídico brasileiro, os bebês reborn constituem meros objetos, desprovidos de personalidade jurídica e, consequentemente, incapazes de figurar como sujeitos de direito. Esta conclusão fundamenta-se na própria natureza da personalidade civil, que é atributo exclusivo de seres humanos e entidades organizacionais legalmente constituídas.
A análise das correntes doutrinárias sobre o início da personalidade civil – seja pela teoria natalista, da personalidade condicionada ou concepcionista – evidencia que, em qualquer hipótese, exige-se a existência de vida humana, real ou potencial, para a atribuição de direitos da personalidade. Os bebês reborn, por mais realistas que sejam, não possuem vida biológica nem potencial de desenvolvimento, sendo apenas representações artísticas de bebês humanos.
As consequências jurídicas desta classificação são inequívocas: impossibilidade de concessão de pensão alimentícia, guarda compartilhada, licença-maternidade/paternidade ou qualquer outro direito próprio de pessoas naturais. Eventuais disputas envolvendo bebês reborn devem ser tratadas exclusivamente sob a ótica patrimonial, considerando seu valor econômico e as regras aplicáveis aos bens móveis.
Reconhecer esta distinção fundamental entre pessoas e objetos é essencial para preservar a coerência do sistema jurídico brasileiro e evitar a banalização de institutos criados para a proteção da dignidade humana. Por mais que os laços afetivos com objetos possam ser significativos para determinados indivíduos, o Direito não pode equiparar tais relações àquelas estabelecidas entre seres humanos, sob pena de descaracterizar a própria noção de personalidade jurídica e os direitos dela decorrentes.
FONTE: JusBrasil
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